11.4.14

Mudança, Mo Yan

Quando foi anunciado o prêmio Nobel de Literatura de 2012, o chinês Mo Yan ainda não havia sido publicado no Brasil. Foi preciso, portanto, esse empurrãozinho da academia sueca para que nós, brasileiros, pudéssemos lançar mão de um livrinho que fosse do autor de 'Sorgo vermelho', adaptado para o cinema pelo brilhante Zhang Yimou. Perdoados os tantos suponho-que-mereça, não-sei-que-dizer-da-premiação, não-conheço-nunca-ouvi-falar iniciais, já podem os não-leitores de mandarim e não-adeptos-de-traduções-para-outras-línguas-estrangeiras ter acesso ao laureado chinês com o lançamento de 'Mudança'.

A escolha do título não parece aleatória: por um lado por se tratar de uma narrativa breve que, ironizando o próprio título, carrega a candura dos contadores de causos e a despretensiosidade das obras feitas por encomenda (a ocasião é explicada no prólogo); o outro motivo para o acerto da escolha se deve ao caráter autobiográfico do texto que apresenta, ainda que de maneira superficial, seu autor ao público ocidental – a origem humilde no campesinato, as aspirações à uma posição melhor através da tentativa de ingressar na universidade, sua participação no exército, etc.

À medida que fala de si, no entanto, Mo Yan acompanha a trajetória de outros personagens igualmente representativos das mudanças culturais e econômicas ocorridas na China. O mais omnipresente dentre eles havendo sido um caminhão Gaz 51 – representado na capa da edição brasileira – e que povoa os sonhos do jovem Mo, causa-lhe angústia, desejo, alívio e assombro, atravessa o país em transformação e chega até mesmo a ser figurante nas telonas, em certa adaptação fílmica. 

A narrativa pouco linear de Mo Yan faz a linha do uma-coisa-puxa-a-outra, e enreda o leitor num amaranhado de lembranças, prejudicadas ou não pela distância no tempo, modificadas ou não pela memória afetiva. O fato do olhar memorialístico do autor focar tão bem certas personagens, fazendo-as renascer a cada capítulo com novas cores e seus matizes problematizantes, torna toda aleatoriedade um encadeamento suspeito. Não obstante, o vai-e-vem contínuo da narrativa representa um dos pilares da filosofia chinesa, e contribue de maneira sobretudo agradável para este primeiro contato do leitor brasileiro com o prêmio Nobel de Literatura de 2012.

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