27.4.12

A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães


Uma das pedras fundamentais do romantismo brasileiro é o tratamento mimético da realidade. Para os românticos, a possibilidade de atingir o ideal de nacionalismo engendrou uma postura mimética frente ao nosso ambiente, uma busca descritiva de tudo quanto pudesse servir à composição de um retrato fidedigno da vida cotidiana e do cenário natural das terras brasileiras. Dessa disposição deriva o fato, apontado por Wilson Martins, de ser nossa literatura mais sociológica que psicológica, ou seja, de que os romancistas cuidassem da descrição pictórica de exteriores e se furtassem aos aspectos interiores ou psicológicos do indivíduo, recorrendo com profusão aos tipos simples, previsíveis, às personagens planas.

Há exceções, naturalmente. ‘A escrava Isaura’, no entanto, não escapa a nenhum desses dois traços – a descrição mimética da natureza e a ênfase no social em detrimento do psicológico. Estão presentes em toda a extensão do romance, desde sua abertura que testemunha a pujança, a beleza, a grandiosidade e imponência de nossas terras até o traçado firme de seus personagens: Isaura, Malvina, Álvaro e Geraldo – bons e sempre justos –; Leôncio, Henrique, Martinho e Rosa – malvados cheios de vícios.  

Mas marcante mesmo neste romance de Bernardo Guimarães é seu narrador onisciente intruso (FRIEDMAN: “editorial omniscience”), que se confunde com o próprio autor. Esse expediente – que deriva de certa forma da “ironia romântica” criada pelos alemães – foi largamente usado por nossos românticos, como forma de envolver o leitor no relato, estimular seu interesse e diverti-lo. Diferente da prosa romântica na Alemanha*, o autor brasileiro não se intromete no texto para fazer o leitor refletir sobre o estatuto da literatura enquanto obra e filosofia, mas visa, em primeiro lugar, entreter o leitor, assim como também busca recrudescer o caráter mimético da prosa, reforçando a impressão de verossimilhança. Daí as inúmeras asseverações de fidedignidade do relato vindouro com que geralmente o leitor se depara ainda nas primeiras páginas dos romances românticos brasileiros. Ademais, trata-se sobretudo de uma forma de envolver o leitor, identificá-lo com as figuras do texto, e fazê-lo ver nelas seres humanos verdadeiros, com os quais possa se identificar e partilhar as fortunas, como na passagem: "Suponhamos que também somos adeptos daquele templo de Terpsícore, entremos por ele adentro, e observemos o que por aí vai de curioso e interessante. Logo na primeira sala encontramos um grupo de elegantes mancebos, que conversam com alguma animação. Escutemo-los.” Há, sem dúvida, melhores exemplos, mas esse basta para o deleite de um leitor apaixonado por interferências autorais... 

Entre outros fatores, o romance enquanto gênero foi responsável pelo crescimento considerável do público leitor, especialmente durante o romantismo. É preciso ter sempre em mente, pois, a recepção como constituinte fundamental da economia das obras daquele período, ou seja, que boa parte das motivações e peripécias dos romances românticos estavam em sintonia com os anseios e desejos de seus leitores em busca de personagens e situações com as quais pudessem sonhar ou se identificar. Há críticos que asseguram que a cor branca de Isaura foi a maneira encontrada por B. Guimarães de garantir a empatia de seu público, e atingir, da forma mais contundente possível, os grilhões da “instituição absurda e desumana” que seu romance procura condenar. Que seu leitor não se deixe enganar por tantas lágrimas puras, tantos ais doridos de amor, tanta perfídia esmagada enfim pela coragem e altivez: apesar de deliciosamente novelesco e gracioso, "A escrava Isaura” é um grito impaciente de nosso romantismo contra um dos capítulos mais terríveis de nossa história. 


sobre o romantismo na Alemanha e no Brasil ver VOLOBUEF, Karin. Frestas e arestas.)

No comments: