Uma das pedras fundamentais do
romantismo brasileiro é o tratamento mimético da realidade. Para os românticos,
a possibilidade de atingir o ideal de nacionalismo engendrou uma postura
mimética frente ao nosso ambiente, uma busca descritiva de tudo quanto pudesse
servir à composição de um retrato fidedigno da vida cotidiana e do cenário
natural das terras brasileiras. Dessa disposição deriva o fato, apontado por
Wilson Martins, de ser nossa literatura mais sociológica que psicológica, ou
seja, de que os romancistas cuidassem da descrição pictórica de exteriores
e se furtassem aos aspectos interiores ou psicológicos do indivíduo, recorrendo
com profusão aos tipos simples, previsíveis, às personagens planas.
Há exceções, naturalmente. ‘A
escrava Isaura’, no entanto, não escapa a nenhum desses dois traços – a descrição
mimética da natureza e a ênfase no social em detrimento do psicológico. Estão presentes em toda a extensão do romance, desde sua abertura que testemunha a
pujança, a beleza, a grandiosidade e imponência de nossas terras até o traçado
firme de seus personagens: Isaura, Malvina, Álvaro e Geraldo – bons e sempre
justos –; Leôncio, Henrique, Martinho e Rosa – malvados cheios de vícios.
Mas marcante mesmo neste romance
de Bernardo Guimarães é seu narrador onisciente intruso (FRIEDMAN: “editorial
omniscience”), que se confunde com o próprio autor. Esse expediente – que deriva
de certa forma da “ironia romântica” criada pelos alemães – foi largamente usado por
nossos românticos, como forma de envolver o leitor no relato, estimular seu
interesse e diverti-lo. Diferente da prosa romântica na Alemanha*, o autor brasileiro não
se intromete no texto para fazer o leitor refletir sobre o estatuto da literatura enquanto
obra e filosofia, mas visa, em primeiro lugar, entreter o leitor, assim como
também busca recrudescer o caráter mimético da prosa, reforçando a impressão de
verossimilhança. Daí as inúmeras asseverações de fidedignidade do relato
vindouro com que geralmente o leitor se depara ainda nas primeiras páginas dos romances românticos brasileiros. Ademais, trata-se sobretudo de uma forma de envolver o
leitor, identificá-lo com as figuras do texto, e fazê-lo ver nelas seres
humanos verdadeiros, com os quais possa se identificar e partilhar as fortunas, como na passagem: "Suponhamos que também somos adeptos daquele templo de
Terpsícore, entremos por ele adentro, e observemos o que por aí vai de curioso
e interessante. Logo na primeira sala encontramos um grupo de elegantes
mancebos, que conversam com alguma animação. Escutemo-los.” Há, sem dúvida,
melhores exemplos, mas esse basta para o deleite de um leitor apaixonado por
interferências autorais...
Entre outros fatores, o romance enquanto gênero foi responsável pelo
crescimento considerável do público leitor, especialmente durante o romantismo.
É preciso ter sempre em mente, pois, a recepção como constituinte fundamental da
economia das obras daquele período, ou seja, que boa parte das motivações e
peripécias dos romances românticos estavam em sintonia com os anseios e desejos
de seus leitores em busca de personagens e situações com as
quais pudessem sonhar ou se identificar. Há
críticos que asseguram que a cor branca de Isaura foi a maneira encontrada por
B. Guimarães de garantir a empatia de seu público, e atingir, da forma mais
contundente possível, os grilhões da “instituição absurda e desumana” que seu
romance procura condenar. Que seu leitor
não se deixe enganar por tantas lágrimas puras, tantos ais doridos de amor,
tanta perfídia esmagada enfim pela coragem e altivez: apesar de
deliciosamente novelesco e gracioso, "A escrava Isaura” é um grito impaciente
de nosso romantismo contra um dos capítulos mais terríveis de nossa história.
* sobre o romantismo na Alemanha e no Brasil ver VOLOBUEF, Karin. Frestas e arestas.)
* sobre o romantismo na Alemanha e no Brasil ver VOLOBUEF, Karin. Frestas e arestas.)
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