14.4.12

O casamento do céu e do inferno & outros escritos, de William Blake.

Tornou-se comum apresentar o movimento romântico em contraposição ao Classicismo, identificando-o com a liberdade, a desordem, a interioridade e o sentimento, enquanto àquele pertenceria o campo semântico da ordem, do nítido, do exterior, da estática, da razão. Essa visão advém da forte influência que o Sturm und Drang, movimento pré-romântico alemão, obteve principalmente em terras não-germânicas, como a França, a Inglaterra, em Portugal e no continente americano. A poética de Blake é um excelente exemplo desmistificador daquela delimitação estanque, e se encontra no rastro de uma constante do romantismo inglês que faz atuarem tanto a razão quanto o sentimento nas poéticas de seus escritores.

William Blake rejeitava a divisão da natureza em corpo e alma, bem como o princípio de que tudo o que se relacionasse ao corpo seria negativo, enquanto aquilo que derivasse da alma seria bom. A busca pelo equilíbrio entre razão e sentimento, céu e inferno, corpo e alma será a principal diretriz do manifesto “O casamento do céu e do inferno”.

Mas o que me moveu a resenhar este livrinho foram, na verdade, questões editoriais. Preciso já deixar claro que não gosto de coletâneas de qualquer gênero que não tenham sido organizadas pelo próprio autor. Por uma inclinação pessoal para apreciar o que é íntegro, completo e geral – capaz de desfrutar verdadeiro júbilo com “Obras completas” na estante – ter em mãos uma edição que compila trechos de obras espaçadas, ou poemas de livros diversos fere, neste que escreve, o senso de unidade que cada poema adquire dentro da edição em que foi originalmente pensado e lançado pelo autor. Não obstante tanto horror por algo tão simples, é preciso reconhecer que a edição “O casamento do céu e do inferno & outros escritos” da L&PM, apresenta uma excelente seleção de textos para iniciar neófitos no romantismo inglês ou, naturalmente, na poética profundamente espiritualizada e transcendente do vidente autor de “Songs of Innocence”.

A edição conta com preciosas glosas prévias aos principais manifestos do autor assinadas pelo tradutor do livrinho, Alberto Marsicano, também responsável pela seleção dos trechos. A parte final do livro traz poemas vários em disposição bilíngue, com a produção mais significativa de Blake. O cotejo entre versão original e tradução revela o esforço hercúleo de Marsicano em transportar ao português a leveza e o jogo pueril de palavras, o ritmo e as rimas do poeta inglês, cujo resultado nem sempre é bem sucedido, como por exemplo no poema “Thel’s motto” em que “Does the eagle know what is the pit? / Or wilt thou go ask the Mole?” chega à última flor do Lácio como “Conhece a águia o profundo abismo? Ou lhe perguntará sobre a Toupeira?”. Aqui o pronome oblíquo no segundo verso diminui a força interlocutora da passagem, deixando ambígua a intenção do poema.

Há ainda pequenas incorreções que a revisão deixou passar e que, a não ser em e-mail para a editora, não vale a pena choramingá-las neste espaço. A L&PM foi responsável por uma verdadeira revolução nos livros de bolso no Brasil empenhando-se em entregar ao público edições baratas, agradáveis (há exceções, alguns títulos ainda trazem capas intragavelmente horrorosas) e de variados gêneros e assuntos. É, sem dúvida, como o comprova a coleção Plus (selo de R$8,00) de que faz parte o livro de William Blake, não somente uma coleção dedicada a expandir para todos os lados o horizonte enciclopédico do leitor, mas também um convite ao aprofundamento e ao cotejo com outras edições.

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