20.3.12

As cidades invisíveis de Italo Calvino

"As cidades invisíveis" será uma experiência diferente para cada leitor. Assim como o viajante experiente vê numa nova cidade todas as cidades em que já esteve, da mesma forma que todas as descrições são possíveis a partir de um único lugar, para onde cada palavra se volta ansiosa por reencontrar sua origem, "As cidades invisíveis" é um livro que contém todos os livros, ou ainda uma narrativa que parte de todas as narrativas, que se afasta e se perde delas, escrito às margens da memória. “Cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem formas, preenchida pelas cidades particulares”, de maneira análoga, cada leitor pode encontrar lá um exercício imaginativo ou um caderno de sonhos, uma proposta para o próximo milênio ou um diálogo dos mortos, um compêndio de ilusões, um labirinto de palavras, visões fantásticas, desvarios históricos, uma coisa ou outra, quiçá todas elas imbricadas. Certamente, encontrará um livro indefinível.

São narrativas imaginadas, ou que se imaginam narrarem, ou que são imaginadas narrando, ou que enfim narram imaginativamente diálogos entre o maior viajante de todos os tempos, Marco Polo, e o famoso imperador dos tártaros, Kublai Khan. O primeiro, viajante infinito, que através de símbolos e palavras é capaz de engendrar infinitas cidades para saciar a curiosidade de Khan; o segundo, soberano de um vasto império que sofre com os limites da idade avançada e a falta de limites do mundo, e busca lenitivo nas descrições de Polo que, entretanto, adverte: “jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve”.

O discurso é, pois, o ponto de transcendência da obra, que tudo comporta e tudo olvida. Nele, imprimem-se os valores que Calvino considerou fundamentais à literatura do século XX, nas conferências que compõem as "Seis propostas para o próximo milênio". Escrito com a leveza de imagens sutis e abstrações emblemáticas, é rico em formas breves que denotam rapidez, "uma mensagem de imediatismo à força de pacientes e minuciosos ajustamentos". Traz, por meio da crença na exatidão, “um projeto de obra bem definido e calculado, a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas e memoráveis e uma linguagem que seja a mais precisa possível”. "As cidades invisíveis" é, ainda, obra de visibilidade, ao mesmo tempo instrumento de saber e comunicação com a alma do mundo, uma vasta enciclopédia que revela a multiplicidade do mundo, e faz conhecer “as redes de conexões entre os fatos, entre as pessoas, entre as coisas do mundo”. Nele, “cada objeto mínimo é visto como o centro de uma rede de relações de que o escritor não consegue se esquivar, multiplicando os detalhes a ponto de suas descrições e divagações se tornarem infinitas. De qualquer ponto que parta, seu discurso se alarga de modo a compreender horizontes sempre mais vastos, e se pudesse desenvolver-se em todas as direções acabaria por abraçar o universo inteiro” (CALVINO, Seis Propostas...).

"As cidades invisíveis" revela uma compreensão da história do mundo como o espaço do potencial, “do hipotético, de tudo quanto não é, nem foi e talvez não seja, mas que poderia ter sido”. Um texto multíplice que bebe de várias fontes, desde as "Mil e uma noites" às metrópoles hollywoodianas, substituindo a unicidade pela coexistência de várias vozes e olhares sobre a realidade. Da mesma forma que muitas cidades, nesse livro de Calvino não se encontra o paliativo que uma narrativa com início meio e fim proporciona aos escapistas; pelo contrário, dele se aproveitam as respostas que dá aos nossos anseios de habitantes inquietos em um mundo veloz, em busca de leveza, e que, como Kublai Khan, não dispõem mais de tempo para conhecer a própria amplitude.

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