28.7.12

Concerto barroco, de Alejo Carpentier

"De prata as delgadas facas, os finos garfos; de prata os pratos onde uma árvore de prata lavrada na concavidade de suas pratas juntava o suco dos assados; de prata as fruteiras, com três bandejas redondas, coroadas por uma romã de prata; de prata as jarras de vinho marteladas pelos artesãos da prata; de prata as travessas de peixe com seu pargo de prata inflado sobre um entrelaçamento de algas; de prata os saleiros, de prata os quebra-nozes, de prata os covilhetes, de prata as colherinhas com iniciais lavradas..." 


Com semelhante beleza e musicalidade abrindo seu capítulo inicial, como seria possível protelar por muito tempo a leitura de "Concerto barroco”? Trata-se de uma novela com traços fantásticos, final anacrônico e postura eminentemente pós-moderna, narrativa que aproxima os opostos e funde diferentes culturas, raças e tendências artísticas numa explosão carnavalizada de cores e sons. No “reino da transfiguração geral”, Carpentier aproxima um padre ruivo, um espirituoso saxão e um jovem napolitano –  personagens que na história do mundo chamavam-se Antonio Vivaldi, Domenico Scarlatti e Georg Friedrich Haendel – a um ficcional milionário da prata mexicano, com o qual, junto a seu criado Filomeno, negro cubano cavalariço descendente de um escravo tornado herói nacional, improvisam uma jam session – “palavras que, por serem inusitadas, pareciam desvarios de um ébrio” – no coração da Veneza do século XVIII. 


O inventário literário-filarmônico resultante da mistura do autor, que foi também radialista, crítico e musicólogo, engendra uma escrita que se inscreve sobre outras escritas precedentes, uma música que se ouve ao lado de outra música – parodicamente relacionadas estas e aquelas. Breve texto onírico com trompetes apocalípticos e fantasmagorias grotescas, “Concerto barroco” tem como eixo principal a composição da ópera Montezuma, de Vivaldi. É evidente que não interessa à ficção a redundância dos fatos históricos comprováveis, mas a reinvenção do mundo a partir daquilo que poderia ter acontecido. O resuldado é, portanto, uma versão imaginada, absurda como uma fábula – em verdade nos diz o narrador "de fábulas alimenta-se a Grande História” – que problematiza a tradição cultural da américa espanhola fazendo ecoar o barroco latino-americano e europeu até o trompete de Louis Armstrong, que o mesmo Filomeno acompanha com devoção numa Veneza duzentos anos à frente. Afinal, “o fabuloso está no futuro. Todo futuro é fabuloso...”

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